terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

IGREJA SEM CLERO - É possível??


O clero é uma instituição por demais supervalorizadaRelatórios sobre o valor e a necessi­dade do clero têm sido grandemente exagerados. Um grande número de cristãos acha que o fator mais importante na hora de se escolher uma igreja é o seu ministro; acham que uma igreja não pode funcionar eficazmente sem um pastor ou sacerdote; que a primeira coisa que se deve fazer, ao se iniciar uma igreja, é contratar um pastor para dirigi-la; que o culto de domingo à noite deve ser ava­liado pelo sermão, e que o modo mais elevado de se servir a Deus é ir para o seminário para ser trei­nado para o serviço cristão.
Mas não seria o contrário, que o clero não é necessário nem benéfico para a igreja? Não é possível que uma das melhores coisas que poderiam acontecer à igreja seria que todo o clero renun­ciasse seus cargos e seguisse carreiras seculares? Não será possível que o melhor tipo de igreja é a igreja sem clero?
Com certeza, para muitos tal idéia seria uma loucura. Mas se analisarmos a questão mais deti­da­mente veremos que esta idéia tem fundamento. A verdade é que, a despeito do prestígio que goza o sistema clerical na igreja contemporânea, ele tem pouco a ver com o Novo Testamento, é basicamente contraproducente, e é em si mesmo um empecilho à vida saudável da igreja bíblica.
PRIMEIRO, entendam, por favor, que nossa crítica é ao clero enquanto instituição, e não às pessoas que ocupam o cargo. As pessoas que têm cargos de ministros e pastores são, em sua maio­ria, pessoas admi­ráveis. Amam a Deus e se comprazem em servir ao Senhor e Seu povo. Geralmente são sinceros, amorosos, inte­ligentes, altruístas, e longânimes. Que fique claro que o problema com o clero não está nos clérigos mas na profissão de que estão investidos. Que fique claro também que, não obstante os sérios proble­mas de sua profissão, os clérigos conseguem realizar um bom trabalho na igreja. Não é o caso que os clérigos não sejam úteis aos membros; tanto são úteis que se tornaram demasiadamente importantes na vida da igreja. Mas eles conseguem prestar um bom trabalho, a despeito de sua profissão, e não por causa dela.
Não há dúvida de que o clero é uma profissão, e que os clérigos são profissionais. Do mesmo modo que os advogados protegem e interpretam a lei, e os médicos protegem e administram remé­dio, o clérigo protege, interpreta e administra a palavra de Deus. Como outra profissão qualquer, o clero esta­be­lece padrões de conduta acerca de como seus membros devem se vestir, falar e agir, no serviço ou fora do serviço. E, como outras profissões, estabelece padrões de escolaridade, de prepa­ro, de admissão à profissão, procedimentos para candidatar-se a um emprego, e aposentadoria. Tanto padres católicos como ministros protestantes têm que preencher determinadas expectativas de seus párocos, amigos, hierarquias, autoridades denominacionais e de suas próprias expectativas, com respeito a seu grau de preparo, tipo de pessoa que devem ser, e o desempenho de determinados tipos de obrigações.
Tradici­onalmente, a profissão requer que os clérigos sejam do sexo masculino e, em algumas denominações, casados, e bem casados. Requer também que sejam formados por seminários e ordenados oficialmente. De um modo não realista, a profissão requer que os clérigos sejam pessoas extraordinariamente dotadas: devem ser líderes natos, oradores qualifi­cados, administradores capazes, conselheiros empáticos, sábios em tomar decisões, hábeis em resolver conflitos, e teólogos astutos. Os padrões da profissão requerem que sejam moralmente retos e exempla­res em todos os sentidos. Seu trajar deve ser impe­cá­vel, e devem falar com autoridade e convicção.
Os clérigos funcionam essencialmente como administradores eclesiásticos profissionais. São suas responsabilidades: o preparo de aulas, homilias, e sermões; visitar os doentes, ministrar fune­rais, casa­mentos e sacramentos; supervisionar eventos sociais, escola dominical, e aulas de catecismo; pre­­pa­rar casais para o casamento, aconselhar os que têm problemas, preparar relatórios da denomi­na­ção, ser assíduos nos encontros denominacionais, dirigir programas missionários e evangelísticos, reunir e super­visionar o quadro de funcionários, ministros auxiliares, líderes da mocidade, pessoal administrativo e equipes de evangelização; organizar carreatas para levantamento de fundos, cuidar das relações comunitárias, supervisionar a utilização e manutenção da planta física, incentivar, disciplinar e edificar os párocos, e estabelecer a visão e metas da igreja.
Há, assim, um conjunto bem definido de obrigações que todos, até mesmo os não evangélicos, reconhecem como sendo os de­ve­­res de um clérigo. Isto é do conhecimento geral justamente por se tratar de uma profissão institucional, criada e mantida por denomi­nações, hierarquias, seminários teológicos, leigos e pelos próprios clérigos.
O PRIMEIRO PROBLEMA inerente ao clero é que não é uma profissão instituída por Deus. Simplesmente não há autoridade ou justificação bíblica para a profissão clerical que conhecemos. Na verdade, o Novo Testamento sugere uma forma bem diferente de igreja e ministério pastoral.
A his­tória nos mostra que as sociedades humanas têm criado castas espirituais de curandeiros, sacerdotes, magos, profetas, gurus, e a igreja cristã não é exceção. Não demorou muito para que a igreja engen­drasse, com base em passagens bíblicas ambíguas (“sobre esta rocha edificarei a minha igreja”, “não amordaces o boi, quando pisa o tri­go”) uma enorme superestrutura hierárquica institucional. Isso deu origem a um sistema de duas classes no seio da igreja, o clero e o laicato, dos quais o clero é considerado o mais espiritual.
Não obstante seu rompimento com a igreja católica, os protestantes são iguais a ela no que diz respeito ao clero. Mesmo tendo resgatado da Bíblia a ceia do Senhor e o batismo como centro da revelação de Deus, a profissão criada pelos protestantes para proteger e anunciar esta revelação funciona de modo idêntico ao sacerdócio católico. Enquanto o padre ministra corretamente a hóstia, o pastor interpreta correta­men­te a palavra de Deus.
Mas, quando voltamos à Palavra de Deus e a reconsideramos, vemos que a profissão clerical é produto da cultura e história humanas, e não reflete a vontade de Deus para a igreja. Simplesmente não há como construir uma justificativa bíblica em defesa da instituição do clero.
O SEGUNDO PROBLEMA com a profissão clerical é que ela esmaga a ‘vida do corpo’. O Novo Testa­mento nos mostra que não é a vontade de Deus que a igreja seja uma associação formal a que uma membresia subalterna pertença através do pagamento de taxas e freqüência a reuniões; uma associação organizada, orientada e governada por um líder profissional (e por uma burocracia adminis­trativa no caso das grandes organizações). No entanto, é precisamente assim que são a maioria das igrejas.
Ao contrário, a intenção de Deus é que a igreja seja uma comunidade de crentes na qual os membros contribuem com seus dons, talentos e habilidades de modo que - através da participação e cooperação ativa de todos - as necessidades da congregação sejam atendidas. Em outras palavras, em lugar de um ‘ministério de profissionais’, o que deve haver em nossas igrejas é o ‘ministério do povo’. Deste modo, a igreja poderá funcionar como um corpo, onde cada membro, com suas características pessoais, contribuirá para o bem de todo o corpo. Paulo deixa bem claro que os dons de cada mem­bro são indispensáveis, e que o corpo precisa de que cada membro dê sua contribuição, caso con­trá­rio o corpo estará aleijado. (I Co. 12:20-25).
O problema é que, independentemente dos ditames de nossas teologias acerca do propósito do clero, o efeito real da profissão clerical é aleijar o corpo de Cristo. Não que seja esta a intenção do clérigo, (via de regra, suas intenções são boas) mas porque as características intrín­secas à profissão inevitavelmente fazem dos ‘leigos’ receptores passivos.
O papel do clero é em sua essência, a profissionalização e centralização dos dons de todo o corpo em uma única pessoa - o clérigo. Assim, o clero representa a capitulação do cristianismo à tendência da soci­edade moderna à especialização. Os clérigos são especialistas espirituais, especialistas eclesiásticos. As demais pessoas na igreja são meros crentes ‘comuns,’ que têm empregos seculares e atividades não espirituais nas quais eles podem se especializar, tais como conserto de canos, ensino, marketing.
Assim, o que deveria ser feito por todos os membros da igreja, de modo informal, descentra­lizado, não profissional, é feito por uma única pessoa: O Pastor, um profissional em regime de tempo integral.
Como o pastor é pago para ser o especialista em operações e gerenciamento eclesiásticos, é lógico e natural que os leigos assumam uma atitude passiva na igreja. Ao invés de contribuir com sua parte para edificá-la, eles ‘vão à igreja’ na condição de receptores passivos para serem edifica­dos. Em vez de usar seu tempo e energia para exercitar seus dons para o bem do corpo, eles se deixam ficar sentados, assistindo ao pastor apresentar seu show.
Imaginemos o culto de domingo à noite. Os membros chegam na hora certa, silenciosamente se assentam nos bancos, olham e ouvem o ministro, o qual ocupa uma posição de destaque na frente e no centro, domi­nando todo o culto. Os membros levantam-se, sentam-se, e só falam e cantam quando autoriza­dos pelo ministro ou por um programa impresso. Na realidade, o que acontece nas duas horas do culto de domin­go à noite é um retrato microcósmico da realidade da vida da igreja.
Se os membros da igreja pudessem visualizar
·  que a igreja não é uma associação formal, mas uma comunidade,
·  que os dons são dados a cada um, sem necessidade de ordenação,
·  que todos devem participar ativamente do trabalho da igreja,
·  que o dom de ninguém é mais importante que o dom dos demais,
·  que a participação de todos é a garantia de uma igreja viva, plena e saudável,
·  e que esta é a visão da vida de uma igreja bíblica,
creio que eles começariam a se perguntar “Afinal de contas, para que estamos pagando ao pastor?” - uma pergunta que só faz sentido.
O clero profissional só é necessário quando os membros da igreja não estão desempenhan­do sua parte. Em contrapartida, quando cada membro participa ativamente e dá sua contribuição para o bem do corpo, o ministro profissional torna-se desnecessário. Este fato está sendo compro­vado diariamente nas dezenas de milhares de igrejas nas casas em todo o mundo.
O TERCEIRO PROBLEMA com a profissão clerical é que ela frustra-se a si mesma. Embora seu propósito declarado seja nutrir a maturidade espiritual da igreja, em si um alvo valoroso, na prática ela consegue o oposto, isto é, alimenta uma dependência permanente dos leigos ao clero. O clero é para suas congre­ga­ções como pais cujos filhos nunca crescem, como terapeutas cujos pacientes nunca são curados, como professores cujos alunos nunca se formam. A presença de um ministro profissional em tempo integral impede que os membros da igreja assumam a responsabilidade pela vida dinâmica da igreja. E por que razão o fariam, pensam eles, se esta é a obrigação do pastor? Resultado: o ‘laicato’ permanece em um estado de dependência passiva.
Por outro lado, imaginemos uma igreja que não tenha conseguido um substituto para o pastor, que renun­ciou. Eventualmente, os membros teriam que sair de seus assentos; se reuniriam e decidiriam quais membros se encarrega­riam do ensino, quais seriam os conselheiros, quais se encarregariam das disputas, quais visitariam os doentes, quais dirigiriam o culto, etc. Com um pouco de discernimento, chegariam à conclusão de que a Bíblia convoca todo o corpo para, unidos, se encarregarem dessas tarefas. Assim, eles seriam levados a descobrir os seus respectivos dons e a função que têm a desempenhar na edificação do corpo. Com um pouco de ousadia, essa igreja chegaria gradativa­mente a uma mudança definitiva. Alguns, descontentes, sairiam à procura de uma igreja com pastores profissionais de tempo integral. Mas os que permanecessem para participar da edificação da igreja, atingiriam a maturidade espiritual muito mais rapidamente do que se tivessem um pastor para fazer todo o trabalho.
O QUARTO PROBLEMA inerente à profissão clerical é o mal que faz aos seus próprios mem­bros. Como todos sabemos, a tarefa do pastor é árdua, sendo muito difícil alcançar-se um ótimo desempenho. Crentes idealistas que são, convencidos de que estão de fato servindo a Deus nessa profissão, a ela se entregam de corpo e alma, só para enfrentarem frustrações, estresse, e verem sua saúde se arruinar. Não é de se admirar que seja assim, já que os clérigos têm que desempenhar as funções de toda uma congregação! Como é possível alguém ser ao mesmo tempo um líder nato, orador excelente, visionário, administrador competente, conselheiro abnegado, alguém sábio em tomar decisões, solucionador imparcial de confli­tos e astuto teólogo? Qual a lógica de os membros de uma igreja esperarem que uma só pessoa tenha que fazer todo o trabalho para eles?
A profissão de um pastor é bastante irrealista. Tão irrealista como uma empresa que espera que um só funcionário desempenhe todo o trabalho - seja officeboy, secretário, gerente e presi­dente - enquanto os demais funcionários só comparecem ao serviço uma vez por semana para assistir ao desem­penho sobre-humano desse super-funcionário, apenas dando uma pequena contribuição eventual quan­do solicitado. Assim, a profissão clerical requer um desempenho sobre-humano de um ‘super-cristão’. Os crentes cônscios das limitações e fraquezas do ser humano devem saber que não é assim que a coisa funciona. E Deus o sabe; por isso delegou a tarefa de edificar e manter a igreja à responsabili­dade com­par­tilhada de todos os membros, em vez de a uma só pessoa centralizadora, especializada e profissionalizada.
OS CLÉRIGOS são guardadores da igreja. Mas a igreja não precisa de guardadores do tipo clerical que acabamos de considerar. Deus é o guardador, e Ele conclama todos os crentes a parti­ciparem de Sua obra. O clero profissional tem a missão de preservar, proteger e ministrar a verdade cristã, os ensinos, a Bíblia, os sacramentos e a autoridade. Mas a verdade cristã não é algo tão frágil, e não precisa ser prote­gida por uma classe profissional. A verdade cristã também não é nenhum tipo de material classificado, perigoso, que só peritos autorizados, portadores de crachá, possam carregar. Nem é algum bem valioso que precise ser guardado em cofres de alta segurança, sob a proteção de guardas armados. É a função do Espírito Santo - não de uma hierarquia ou denominação - pre­ser­var a verdade cristã. Aprouve ao Espírito Santo atribuir essa função a todos os Seus filhos, para ser por eles compartilhada.
Como já vimos, o problema com o clero não está nas pessoas investidas da profissão - pessoas estas geralmente sinceras e responsáveis - mas no papel social da profissão em si. Eventualmente os pastores até que tentam adaptações de seu papel, para torná­­­­-lo mais realista e bíblico. Mas logo descobrem que não estão agradando, porque as denominações e as próprias congregações cobram dele o desempenho padrão tradicional.
Um problema ainda mais sério que a profissão clerical é que a maioria dos cristãos já redefiniu o que seja uma igreja sadia. Para a maioria dos freqüentadores de igreja, uma igreja robusta e saudável é aquela que cresce numericamente, que tem um pastor maravilhoso, e apresenta muitas atividades e programas. Acontece que, com base na Bíblia, esses fatores são irrelevantes.
De acordo com a Bíblia, o que é relevante é que cada membro coopere ativamente para o bem do corpo através de sua participação responsável e pela prática de seus dons. À luz da Bíblia, o que é importante é que os crentes se fortaleçam e adquiram maturidade espiritual através da edificação mútua. Uma igreja bíblica é uma igreja do povo, com ministério descentralizado. Por ‘igreja sem clero’ não queremos dizer que não haja necessidade de ministro em tempo integral. Na verdade, o que a igreja necessita é de que todos membros sejam ministros em tempo integral. A pergunta rele­vante aqui é: que tipo de ministérios devem esses ministros desempenhar. Segundo o Novo Testa­mento, esses ministros em tempo integral devem estar ministrando no mundo e para o mundo, ajudando o pobre, evangelizando, levando a paz onde há conflito e violência. De acordo com a Bíblia, é o mundo e não a igreja que precisa de ministros em tempo integral.
O QUE PRECISAMOS hoje é de uma igreja sem clero. Os próprios pastores precisam ser liberados da cobrança de que sejam ultraversáteis, multitalentosos e sobre-humanos. Os leigos, por sua vez, precisam ser despertados da cômoda ilusão de que basta freqüentar a igreja aos domingos e entregar os dez por cento de seus vencimentos.
Uma igreja sem clero não é algo fácil. Requer a participação ativa de todo o corpo. Mas as recompensas - a bênção da participação, da solidariedade, da comunhão - são muito compen­sadoras. E todos engajados nesse ideal estarão fazendo com que a igreja deixe de ser um lugar aonde se vai, e passe a ser a algo que todos juntos somos: IGREJA.

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